DESMONTE AMBIENTAL ‘O pior dos mundos’, diz especialista sobre aceleração do desmatamento no Brasil

“O desmatamento não só está crescendo, como está acelerando”, denunciou o engenheiro florestal Tasso Azevedo


Imagem registra desmatamento na Amazónia

Especialista em análises de imagens de satélite e da dinâmica do desmatamento na Amazônia, o engenheiro florestal Tasso Azevedo denunciou o aumento da devastação ambiental no Brasil e criticou a inércia do governo Bolsonaro frente ao problema.

Azevedo afirmou ao jornal Valor Económico que “o desmatamento não só está crescendo, como está acelerando” e que esse cenário “é o pior dos mundos”.

Ex-diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, Azevedo criou o MapsBiomas Alerta, sistema de validação de avisos de desmatamento que funciona em parceria com órgãos de monitoramento como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Em 2019, 56 mil relatórios sobre desmatamentos foram feitos pelo programa. “As informações estão disponíveis para todos os órgãos, a questão é se estão usando. O que foi feito com os 56 mil relatórios que estão disponíveis? Áreas foram embargadas? Foram feitas multas?”, questionou.

Azevedo afirmou ainda que o “Brasil não precisa desmatar mais nada, nem o desmate legalmente permitido” porque existe “área suficiente para produzir”.

O crescimento do desmatamento no país está sujando a imagem do Brasil, alertou o especialista, que criticou o descaso de Bolsonaro com o meio ambiente. “A inabilidade, a incapacidade e o fato de o governo não apontar políticas públicas e mandar os sinais corretos de que vai controlar, gera insegurança em todos”, disse.

Durante o governo Bolsonaro, cresceu também o desmate em terras indígenas e áreas de preservação – o que era esperado, já que antes mesmo de se tornar presidente, Jair defendia o desenvolvimento econômico em detrimento da preservação ambiental e afirmava que indígenas não teriam nem mesmo um centímetro de terra demarcada caso ele ganhasse as eleições presidenciais.

“Até 2018, o total de área desmatada dentro de terras indígenas e unidades de conservação era menos de 1%. Isso veio em um crescente muito forte em 2019. Em unidade, número de eventos de desmatamento acontecendo nestas áreas, deu um aumento de 15%”, disse Tasso Azevedo em entrevista ao Valor Económico que pode ser conferida abaixo.

Notícia global
Desmatamento agora não sai mais de pauta. Globalmente é assunto que ganhou muita importância com o aumento do fogo e emissões de gases-estufa. O público preocupado com isso fez pressão suficiente ao ponto de chegar, de verdade, nas cadeias de produção.

Um traço do Brasil
Agora vivemos este momento difuso. Não é mais apenas a questão da Amazónia e o desmatamento ilegal, mas o problema é o Brasil. Virou uma característica do país. Se a empresa está aqui, será que está envolvida com o desmatamento da Amazónia? Há algum risco de conexão? Indústrias que não têm nada a ver com o assunto são questionadas. Com os bancos, a pergunta não é se a economia brasileira está indo bem, mas se o dinheiro pode ter risco de chegar à Amazónia.

O pico no passado
Em 2004 vivemos algo assim. O desmatamento estava em 27 mil km2. Logo depois veio o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento, o Ppcdam, o desmatamento despencou. Virou o contrário. O Brasil era o país que estava fazendo a lição de casa, a redução do desmatamento virou um activo. Em 2009 já estava abaixo de 10 mil km2. Em 2012 chegou a 4 mil km2. Depois começou a subir e descer. Em 2019 saiu da curva. Teve um aumento de 30%, o maior desde 2001. E agora teremos outro salto, que provavelmente deve ser maior do que o de 2019, pelo o que estamos monitorando.

Previsão ruim
Se o desmatamento em Julho, que é um mês muito forte, for igual ao de 2019, o aumento acumulado em 2020 será de 40%. Se em julho o desmatamento na Amazónia Legal zerar, já será 10% maior do que em 2019.

Queimadas
Sem dúvida a moratória do fogo na Amazónia, em 2019, teve efeito. As queimadas vinham muito fortes, até Agosto, e em Setembro houve queda expressiva. O ritmo no Cerrado e no Pantanal continuou crescendo porque ali não tinha moratória. Por isso acho que a moratória, agora, pode funcionar. Se não funcionar, é trágico. Significa que o governo não têm mais credibilidade. Não existe fogo natural na Amazónia. É um evento muito raro, porque se trata de uma floresta tropical úmida, como o nome diz. Para ter fogo na floresta tem que ter condição climática, material combustível, que é árvore no chão, e ignição. Um raio, em geral, vem com chuva em seguida. A ignição na Amazónia é o fogo que as pessoas colocam na área que desmataram. Se o governo tiver posição clara e disser que irá multar e embargar 100% das áreas identificadas com desmatamento ilegal, terá resultado.

O destino das áreas desmatadas
O último TerraClass, projecto do Inpe e da Embrapa que observa qual é o uso dado à terra desmatada na Amazónia, analisou o que aconteceu com o que foi desmatado entre 1988 e 2014. Pois 63% destas áreas viraram pastos de baixa produtividade, 23% foram abandonadas e estão em regeneração. Só 14% viraram cultivos produtivos, pecuária intensiva, mineração ou cidade.

Desmatar custa caro
Não existe desmatamento sem investimento, e custa caro. Não apenas para a sociedade, com a perda dos serviços ambientais. As estimativas que existem por aí é que é preciso entre US$ 200 e US$ 400 por hectare para desmatar. O sujeito tem que colocar um bocado de gente lá, motosserras, fazer estradas para chegar no lugar, colocar fogo, gastar com combustível, fornecer alimentação.

Dinâmica do desmatamento
Em 2019, em número de desmatamentos, cerca de 40% tinham menos de cinco hectares. Em área, os desmatamentos maiores que 50 hectares são 60% da área impactada. Vimos que 75% do desmatamento ocorre em áreas maiores que 25 hectares. O que faz a gente ter um grande desmatamento no Brasil são as grandes áreas. Todo este desmatamento hoje é detectado pelo Inpe e para cada um existe informação precisa. É só tomar atitude.

Aumento em terras indígenas
Até 2018, o total de área desmatada dentro de terras indígenas e unidades de conservação era menos de 1%. Isso veio em um crescente muito forte em 2019. Em unidade, número de eventos de desmatamento acontecendo nestas áreas, deu um aumento de 15%. É evidente que está aumentando a pressão sobre essas áreas.

Voltando 12 anos
O desmatamento, em 2019, foi de 10.129 km2. Agora podemos chegar a algo ao redor de 14 mil km2. Vamos voltar a números que não víamos desde 2008. A nossa meta para 2020, escrita na Política Nacional de Mudanças Climáticas, era de ficar abaixo de 4 mil km2. E o desmatamento não só está crescendo, como está acelerando. É o pior dos mundos.

56 mil relatórios
Em 2003, quando tínhamos 27 mil km2, não tínhamos o dado mensal de detecção, só descobríamos o desmatamento um ano e meio depois de acontecer. Agora há instrumentos e dados semanais que o Inpe publica. No MapBiomas Alerta, que é uma parceria de várias instituições e colabora com o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama e outros órgãos estaduais, fizemos 56 mil relatórios em 2019. Todos esses alertas são públicos.

O que foi feito?
O MapBiomas Alerta foi criado em 2018 com a participação do Ibama, Serviço Florestal Brasileiro e Ministério do Meio Ambiente. As informações estão disponíveis para todos os órgãos, a questão é se estão usando. O que foi feito com os 56 mil relatórios que estão disponíveis? Áreas foram embargadas? Foram feitas multas?

Como parar esta onda
O desmatamento é uma actividade essencialmente ilegal. Em média, no Brasil, se faziam cerca de 1.500 relatórios de laudos de desmatamento por ano. Em 2019, nós fizemos 56 mil. Isso é importante porque 99% do desmatamento no país têm alta probabilidade de ser ilegal. O que move uma actividade ilegal de acontecer ou não é a perspectiva de ser pego ou não, ser ou não punido, e conseguir ou não se beneficiar daquilo.

Como se combate isso? Não é correndo atrás de cada um que está desmatando no campo, porque nós nunca daremos conta. No ano passado, nós tivemos 500 eventos de desmatamento, em média, por dia, no Brasil. Colocamos no ar, na semana passada, sete mil desmatamentos em 2020. É chocante.

Tecnologia enxerga tudo
Não se vai parar o desmatamento só tentando barrar quem está fazendo, da mesma forma que não se consegue fazer com que pessoas parem de andar em alta velocidade. Tem que fazer o seguinte: se o cara cruzar o farol vermelho e ele souber que tem um radar ali que irá registar, não irá cruzar. Hoje em dia, com a tecnologia de satélites que existe, nós somos capazes de enxergar qualquer desmatamento que tenha ocorrido no Brasil a partir de 2017.

Três passos
A mensagem que tem que chegar para quem está desmatando a floresta é que, se desmatar, será pego, multado e terá o CPF atrelado à infração. E fazer com que não possa se beneficiar do desmatamento ilegal. Há três pontos básicos: não ter acesso à regularização fundiária, cortar financiamentos e mecanismos de crédito para aquele CPF ou CNPJ até regularizar. E, por último, não conseguir vender a produção ou transferir terra.

Só 1% mancha a imagem do Brasil
O desmatamento é muito alto no Brasil e 99% é ilegal. Ao cruzar os alertas de desmatamento com as propriedades, como nós fizemos em 2019, identificamos cerca de 50 mil propriedades com desmatamento. Isso representa menos de 1% do total das propriedades no Brasil no Cadastro Ambiental Rural. A má imagem do Brasil está atingindo a todos por algo que está sendo feito por 1%. A inabilidade, a incapacidade e o fato de o governo não apontar políticas públicas e mandar os sinais corretos de que vai controlar, gera insegurança em todos.

O Brasil terá que ter rastreabilidade de tudo. Vai ter que rastrear a maçã do Estado de Santa Catarina, que não tem nada a ver com o assunto. A desconfiança atinge os 99% que não têm nada a ver com o assunto. Esse é o drama que o Brasil vive hoje.

O desafio
Mesmo quando há políticas de incentivo, como as concessões florestais, o sujeito que está dentro compete com quem está agindo ilegalmente e até invadindo áreas de concessão para retirar madeira. Para estimular actividades legais, tem que ter controle sobre a ilegalidade.

Premiar os que fazem certo
Hoje identificamos quem desmata para podermos excluí-los da cadeia de produção. Mas podíamos usar o dado no sentido contrário. Qual o percentual das propriedades do Brasil que não desmataram nos últimos cinco, dez, 30 anos? Quantos produtores não estão misturados nessa questão do desmatamento? Estamos desenvolvendo uma ferramenta para mostrar quem fez tudo certo e conseguir estimular o produtor.

Rastreabilidade
A rastreabilidade agora será o nome do jogo. A forma dos produtores poderem se relacionar com os compradores será demonstrar que não têm conexão com desmatamento. Os mecanismos de rastreabilidade permitem separar o joio do trigo.

Risco dos boicotes
Toda vez que existir um boicote sectorial ou regional, do tipo “não compro deste município”, cria-se um problema de desestímulo a quem faz bem feito. Se alguém olha hoje para o desmatamento no Brasil irá dizer “não vou comprar nada de Altamira e São Félix do Xingu, porque ali o desmatamento está rolando solto”. Mas é justamente nesses lugares que o produtor que estiver fazendo certo tem que ser valorizado e conseguir vender. O comprador ou banco que não quer se relacionar com quem desmata tem que se engajar com quem faz correctamente.

Fonte: ANDA