A CIÊNCIA COMPROVA: O hipismo maltrata cavalos

Este artigo sobre os cavalos é de 2016. Mas é um artigo fantástico e muito bem fundamentado cientificamente!

Mário Amorim


Por trás do glamour do hipismo, cavalos sofrem de diversas formas. Porém, o sofrimento dos cavalos no hipismo geralmente não pode ser visto a olho nu. No entanto, experimentos científicos têm revelado o sofrimento silencioso destes animais magníficos.

Hipismo

Para entendermos o sofrimento dos cavalos usados em atividades equestres, temos de compreender que muitas vezes a crueldade não se classifica apenas num espancamento brutal ou algo claramente reprovável pelos olhos da sociedade. Isso significa que o fato de um cavaleiro não chutar ou espancar um animal, não quer dizer que não existam maus-tratos. Ao contrário da imagem passada para a sociedade, os animais do hipismo sofrem boa parte do tempo sem expressar a sua dor da forma como supomos — no hipismo, os sinais da dor no cavalo são geralmente interpretados como “desobediência”.

Os cavalos, em seu habitat natural, não podem expressar a dor da forma como estamos acostumados a ver em nossa espécie — ao mínimo desconforto, reagimos. Por serem presas de animais carnívoros, em ambiente selvagem, cavalos não podem demonstrar a dor de maneira exacerbada, pois, diante do caçador, aquele que aparentar fraqueza logo se torna a caça. E, apesar de conseguirem se defender com coices e mordidas, cavalos geralmente são animais dóceis, que aceitam muitas das torturas praticadas pela nossa espécie.

Alexander Nevzorov, ex-cavaleiro e fundador da escola de equitação Nevzorov Haute Ecole, que não monta desde 2008, explica este comportamento na sua obra The Horse Crucified and Risen [1]:

“O cavalo, para sua infelicidade, foi criado de tal modo que ele pode disfarçar qualquer dor, excepto a mais insuportável, até o fim, sem demonstrá-la de modo algum, e esforçando-se por não apresentar qualquer mudança em seu comportamento externo […] Na natureza selvagem, o cavalo que demonstra dor, fraqueza ou uma enfermidade, ao mesmo tempo se condena a ser devorado […] ou a ser rebaixado na escala hierárquica do seu rebanho.”

Sendo assim, o que constitui a crueldade do hipismo actual? Em primeiro lugar, tendo em mente que estes animais foram domesticados, todo cavalo usado no hipismo, corridas ou rodeios, tem que passar por um processo de “doma”, isto é, tem que ser “treinado” para aceitar que outro animal monte em sua coluna — afinal, receber um ser de 70 quilos nas costas não faz parte da sua natureza.

Na “doma”, o cavalo também é incumbido a aceitar os instrumentos usados para que este obedeça aos comandos do cavaleiro, como as rédeas, as esporas, chicotes, bridões, freios e selas. Após a conclusão deste processo, o animal está pronto para responder aos comandos do cavaleiro, ou seja, pronto para responder aos seus movimentos — puxões, chicotadas e esporadas controlam o cavalo pela dor. Contudo, ainda que isso seja visivelmente errado, é possível alegar que o animal é “bem tratado”, com xampus caros e até beijos e abraços de seus “donos”.

O que de fato desmente a alegação hípica? Pesquisas feitas por veterinários e fisiologistas trazem a luz para essa questão.

Lydia Nevzorova, especialista em termografia equina e membro da Academia Americana de Termologia (AAT), realizou uma série de pesquisas sobre os efeitos da montaria, junto com Alexander Nevzorov.

Dentre o rol dos estudos feitos por Lydia Nevzorova, estão incluídos exames de necropsia (dissecação feita com cadáveres de cavalos) e também de termografia (registo da temperatura corporal do cavalo, capaz de identificar pontos de inflamação; um procedimento que, por conta do seu alto custo e da sua complexidade, não é exame de rotina em cavalos de competições).

No segundo volume da Nevzorov Haute Ecole Equine Anthology, revista da escola de Nevzorov, há a publicação do resultado de alguns desses exames.

No exame de termografia computadorizada, os resultados revelaram pontos de inflamação crónica na coluna dos cavalos examinados [2]. Qualquer ponto roxo, vermelho ou laranja indica inflamação decorrente do trauma gerado pela montaria.

A primeira imagem trata-se de um cavalo usado em Salto — modalidade olímpica do hipismo —, e a segunda e a terceira imagem são exames de cavalos de Adestramento (Dressage), que também é uma modalidade olímpica do hipismo, na qual os juízes avaliam principalmente o passo, o trote e o galope do animal:

termografia cavalo hipismo imagem 1

termografia cavalo hipismo imagem 2

termografia cavalo hipismo imagem 3

Assim, já podemos concluir: o fato de montar em um cavalo gera dor no animal. Passando para o próximo ponto, vamos ver o que os resultados das necropsias feitas por Lydia Nevzorova podem revelar.

adestramento cavalo hipismo

Na modalidade do Adestramento é comum o cavaleiro ou a amazona exigirem que o animal fique com a cabeça curvada de maneira anormal, só porque consideram isso “belo”, entretanto, veja como a prática limita o campo de visão do cavalo (em ambiente natural, o cavalo jamais ficaria com o pescoço curvado desta forma):

campo de visão adestramento

Na nuca do cavalo se encontra um ligamento, que é um tipo de cordão elástico que vai da cernelha (região próxima dos ombros do cavalo) até a parte superior do crânio. Na imagem abaixo podemos comparar a posição normal, saudável por conta disso, com a posição feita no Adestramento, que afecta directamente o músculo esplênio (músculo superior das costas), a membrana basal (uma camada da epiderme) e o citoesqueleto (conjunto de filamentos de proteínas presentes nas células do corpo):

pescoco cavalo posicoes

Um exame feito por Lydia Nevzorova, em um cavalo usado em provas de Adestramento, demonstrou que a região do pescoço fica seriamente comprometida por conta da posição adotapda no hipismo, gerando especialmente a morte celular (necrose) — demonstrada na imagem abaixo [3]:

necrose cavalo hipismo

Pesquisas feitas pelo veterinário alemão Dr. Horst Weiler, publicadas no livro Insertionsdesmopathien beim Pferd, confirmaram os malefícios do pescoço curvado artificialmente. Nos seus estudos, ele descobriu que 80% dos cavalos usados em Adestramento e Salto possuem lesões ou algum tipo de dano na região do pescoço [4]. Por outro lado, cavalos que não são usados em competições, e curvam levemente o pescoço para pastagem, não possuem qualquer tipo de patologia na região.

Já em outro exame de necropsia de Lydia Nevzorova, podemos ver um grupo de hematomas severos na região muscular onde o cavalo recebe as chicotadas nas provas de hipismo [5]. Tais hematomas geralmente não são visíveis a olho nu:

chicote dissecacao hipismo

Uma pesquisa feita pela veterinária Lydia Tong constatou que a epiderme do cavalo é mais fina do que a nossa, com mais terminações nervosas [6].

Usando uma técnica especial chamada de “imuno-histoquímica”, é possível marcar somente as terminações nervosas. Neste caso, as terminações nervosas foram marcadas por vermelho. Este exame também concluiu que há mais terminações nervosas na pele do cavalo do que na pele humana, inclusive na epiderme — a camada superior com círculos azuis —, que representam fibras sensoriais, incluindo aquelas responsáveis pela dor.

pele cavalo vs pele humana

A alta sensibilidade da pele do cavalo também faz com que o uso das esporas (com ou sem pontas) machuque o animal. O objectivo da espora é provocar dor, golpeando o animal no baixo-ventre, forçando-o a se locomover.

Em competições do hipismo a espora com ponta do tipo velho-oeste é proibida, apesar de ser usada em eventos como rodeios e vaquejada. Mas veja o registo da ferida na pele de um cavalo por conta de uma espora sem ponta:

espora hipismo crueldade

Outro problema muito sério, e também muitas vezes negligenciado no hipismo, são as doenças e danos gerados pelos freios e bridões — embocaduras usadas no cavalo. Há, basicamente, três tipos de embocadura: freio (que possui duas argolas na ponta, uma para encaixar a rédea e outra para a cabeçada), bridão (que contém uma argola em cada ponta, para a rédea e a cabeçada) e o freio-bridão.

A boca, por ser um local cheio de terminações nervosas, é uma região altamente sensível no cavalo. A boca do cavalo, naturalmente, não existe para receber qualquer tipo de ferro ou aparelho metálico.

Na ilustração abaixo, podemos ver quais são as áreas mais sensíveis do cavalo (maiores e em vermelho) [7]:

sensibilidade cavalo

Porém, cavaleiros se aproveitam da sensibilidade do animal para conseguir controlá-lo — é aquela velha regra: quando você quer controlar uma pessoa, descubra o seu “ponto fraco”. Desta forma, o uso de freios e bridões se tornou um verdadeiro filme de terror na vida dos cavalos, pois eles sofrem com a sua presença (imagine um ferro batendo na sua gengiva e comprimindo a sua língua) e são negligenciados.

Na imagem abaixo, podemos ver como o bridão comprime e puxa a língua do animal para a garganta:

efeitos do bridao imagem 1

A pressão do bridão e do freio pode ser tão forte que o cavalo pode ter os dentes fracturados. Exames feitos por Alexander e Lydia Nevzorova relevaram que um forte puxão da embocadura pela rédea produz uma pressão de cerca de 300 kg/cm², e um puxão suave entre 50 e 100 kg/cm² [8]. Veja na ilustração abaixo, da Nevzorov Haute Ecole, o resultado da colisão do bridão na boca do animal [9]:

efeitos do bridao imagem 2

Quando o bridão ou o freio estão em contato com a boca do cavalo, há uma grande dificuldade em engolir a saliva, por conta disso, há a formação de uma baba branca e grossa (veja na imagem a seguir). Na natureza, dificilmente o cavalo saliva desta forma em actividades extenuantes. Este e outros efeitos foram especialmente estudados pelo veterinário Dr. Robert Cook. De acordo com ele, as embocaduras podem gerar cerca de 40 doenças e mais de 100 comportamentos negativos no cavalo [10].

baba branca hipismo cavalo

As embocaduras geram uma dor aguda e muito forte no rosto do cavalo, por estar em contacto com o nervo trigemial. Dr. Cook diz que esta dor pode ser caracterizada como nevralgia do trigêmeo, e, como resultado, o cavalo balança a cabeça involuntariamente. Estes são alguns dos problemas relatados pelo veterinário, reflexos das embocaduras:

  • edema pulmonar;
  • hemorragia pulmonar;
  • vários problemas respiratórios que tornam o ruído da respiração anormal;
  • deslocamento dorsal intermitente do palato mole (quando o palato mole se descola até a epiglote, gerando obstrução de ar);
  • obstrução da epiglote;
  • colapso traqueal;
  • insuficiência cardíaca.

As embocaduras também podem ocasionar falta de oxigênio e fadiga extrema no cavalo, o que é capaz de resultar em quedas — assim, possivelmente levando o cavalo até a morte ou ao sacrifício por conta de uma queda.

Devido às suas pesquisas, Dr. Cook se tornou contra o uso de embocaduras em cavalos, em 100% dos casos. Para ele, “não há maneira correta de fazer a coisa errada”, contraindicando o seu uso em qualquer tipo de situação [11]. Todavia, adeptos do hipismo alegam que a embocadura é um tipo de “condição essencial” para a “locomoção” do cavalo.

Além de todos os prejuízos gerados pelos instrumentos mencionados, cavalos usados em competições podem desenvolver Hemorragia Pulmonar Induzida pelo Exercício (HPIE). Geralmente, pode-se pensar que a HPIE só acometa cavalos de corrida, entretanto, pesquisas revelaram a sua prevalência entre 13 a 40% dos cavalos de Cross-Country (modalidade olímpica do hipismo, na qual o cavalo tem que percorrer um percurso externo saltando obstáculos), e entre 10 a 15% dos equinos da modalidade não-olímpica Polo [12].

O esforço e as dietas altamente concentradas da ração levam a úlceras gástricas. Uma pesquisa atestou que a prevalência da Síndrome da Úlcera Gástrica Equina (EGUS) é tão comum em cavalos de Enduro Equestre (modalidade não-olímpica do hipismo de corridas de cavalo, só que de longa distância) quanto em cavalos de corridas de Turfe (Horse Racing) [13].

sindrome da ulcera gastrica equina

Mas ainda que todo este sofrimento dos cavalos de hipismo seja comprovado por estas e outras tantas experiências não relatadas neste artigo, a glamorização continua. Em meio à tortura, o cavalo é condenado a uma vida de servidão, em busca de medalhas para os humanos.

cavalos nao precisam de medalhas

Abuso e uso são problemas que andam de mãos dadas. E a única alternativa para colocar um fim ao abuso do hipismo é acabando com o uso imposto ao cavalo. A exploração de equinos em equitação deve ser enterrada no mesmo cemitério da exploração de animais para circos, de bois no rodeio ou touros nas touradas. Ignorar esta necessidade é forjar um tipo de masoquismo nos animais, como se eles tivessem prazer na dor. Obviamente, a evidência científica não está do lado dos exploradores, por mais que tentem desesperadamente nos convencer do contrário.

Fonte: O HOLOCAUSTO ANIMAL

Nota: “Abuso e uso são problemas que andam de mãos dadas. E a única alternativa para colocar um fim ao abuso do hipismo é acabando com o uso imposto ao cavalo. A exploração de equinos em equitação deve ser enterrada no mesmo cemitério da exploração de animais para circos, de bois no rodeio ou touros nas touradas. Ignorar esta necessidade é forjar um tipo de masoquismo nos animais, como se eles tivessem prazer na dor. Obviamente, a evidência científica não está do lado dos exploradores, por mais que tentem desesperadamente nos convencer do contrário.”